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Decisão de Juizado Especial Estadual sobre Questão Processual. Reclamação ao STJ
Amilcar - Direito Integral Offline
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Decisão de Juizado Especial Estadual sobre Questão Processual. Reclamação ao STJ
Texto de Daniel Neves:

Citar:Acesso ao Superior Tribunal de Justiça nos Juizados Especiais e inexplicável desprezo à lei processual

Ter sido a decisão proferida por tribunal é um dos requisitos específicos de admissibilidade do recurso especial, de forma a ser inadmissível tal recurso contra decisões que, embora sejam de única ou ultima instância, são proferidas por órgão de primeiro grau de jurisdição. Tal exigência impede a interposição de recurso especial contra decisão de Colégio Recursal de Juizados Especiais, considerando-se a natureza de órgão de primeiro grau de tais colegiados. Qualquer tentativa de se afastar dessa constatação colide frontalmente com o texto constitucional.

O legislador parece não ter se preocupado com tal circunstância ao produzir a Lei 9.099/95, não havendo em tal texto normativo qualquer meio hábil de impugnação de decisão do Colégio Recursal quando ocorre violação da lei federal, salvo a interposição dos embargos de declaração. E a ausência de meios de impugnação para outro órgão jurisdicional dá-se mesmo que a decisão esteja em descompasso com o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça.

Provavelmente notando que, apesar da simplicidade que deve vigorar nos Juizados Especiais, deixar as decisões do Colégio Recursal sem o controle do Superior Tribunal de Justiça no tocante à aplicação e interpretação da lei federal proporciona grave insegurança jurídica, o legislador não cometeu o mesmo erro nas leis subsequentes que criaram novos Juizados Especiais. Nas Leis 10.259/01 (Juizados Especiais Federais), por meio de seu artigo 14 e 12.153/09 (Juizados Especiais da Fazenda Pública Estadual e Municipal), por meio dos artigos 18 e 19, existe expressa previsão legal de instituto (recurso ou incidente?) que permite o controle do Superior Tribunal de Justiça de decisões proferidas nesses Juizados que contrariam o entendimento consolidado do tribunal superior.

Apesar da solução do problema no âmbito dos Juizados Especiais Federais e Juizados Especiais da Fazenda Pública Estadual e Municipal, o absurdo de não se poder levar ao Superior Tribunal de Justiça uma decisão do Colégio Recursal flagrantemente contra a posição consolidada do tribunal superior continuava a atormentar todos que militam nos Juizados Especiais Estaduais. O desconforto, inclusive, foi manifestado expressamente em julgamento do Superior Tribunal de Justiça, que chegou até mesmo a cogitar que o caminho seria a adoção por analogia, na esfera estadual, da uniformização de jurisprudência já existente em outros Juizados Especiais (Informativo 348/STJ: Primeira Seção, Rcl 2.704/SP, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 12.02.2008). Problemas estruturais na formação das Turmas de Uniformização, entretanto, impedem a aplicação por analogia ventilada no julgado.

Após tempos sombrios, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, também demonstrando desconforto com a omissão legislativa, entendeu que enquanto não existir mecanismo processual mais apropriado a permitir a atuação do Superior Tribunal de Justiça nas ações dos Juizados Especiais Estaduais, deve-se admitir a reclamação constitucional (Informativo 557/STF: Plenário, RE 571.572 QO-ED/BA, rel. Min. Ellen Gracie, j. 26.08.2009), em posição que veio a ser incorporada pelo Superior Tribunal de Justiça (Informativo 416/STJ, Corte Especial, Rcl 3.752-GO, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18.11.2009).

Ainda que o entendimento seja amparado no ditado popular “não tem tu, vai tu mesmo”, considerando que nenhum esforço humano de hermenêutica consegue explicar a hipótese ora analisada à luz das hipóteses legais de cabimento da reclamação constitucional, sob o aspecto exclusivamente pragmático o posicionamento deve ser comemorado. A ausência de controle de decisões judiciais pode levar ao indesejado arbítrio judicial, e o desrespeito à posição consolidada de entendimento consagrado por tribunal superior, ainda que admissível diante da liberdade funcional de qualquer juiz, quando não tem o devido controle jurisdicional gera injustiça insuportável.

Poderia se imaginar que, diante de todo o exposto, os problemas estariam resolvidos, ainda que em sacrifício da melhor técnica, e que o presente texto seja de regozijo. A realidade, entretanto, é outra, por culpa do legislador e do Superior Tribunal de Justiça.

Segundo o art. 14,caput, da Lei 10.259/01, o cabimento da uniformização de jurisprudência se limita ao direito material federal, o que significa que se a violação tiver como “vítima” uma norma de direito processual federal, o instrumento impugnativo não será cabível. O mesmo erro é cometido no art. 18, caput, da Lei 12.153/09. Ao ler esses lamentáveis dispositivos legais sinto como se tivéssemos retorna à época imanentista do direito, período ultrapassado no qual o direito processual era visto como um mero apêndice do direito material. Época em que nem se cogitava ser possível colocar num mesmo patamar de importância o direito material e o direito processual.

O desconhecimento da relevância do direito processual no reconhecimento de direitos materiais em juízo ou ainda na declaração de direitos materiais inexistentes, parece ter passado despercebido pelo legislador. Permitir o controle quando há ofensa à lei federal de direito material e não fazer o mesmo para o direito processual é desprezar todas as conquistas cientificas da ciência processual, em especial sua notória e indiscutível autonomia perante outras áreas, em especial do direito material. E, em especial, sua igual relevância.

Quando os tribunais superiores passaram a admitir a reclamação constitucional nos Juizados Especiais Estaduais, sem as amarras legais já existentes nas Leis 10.259/01 e 12.153/09, criou-se grande expectativa quanto aos limites objetivos da impugnação à decisão do Colégio Recursal que contrariasse posição consolidada do Superior Tribunal de Justiça. Infelizmente, entretanto, aquele tribunal, valendo-se de analogia, considerou legítimo tutelar somente o direito federal material por meio da reclamação constitucional, deixando fora de seu espectro de proteção o direito processual. Nisso se tornou coparticipe do desprezo ao direito processual, como se esse se colocasse em grau subalterno quando comparado com o direito material.

Alguns julgados que consolidaram o equivocado entendimento devem ser mencionados em razão de curiosa intepretação de texto legal. Segundo esses julgados (STJ, 3ª Seção, AgRg na Rcl 4832/SP, rel. Min. Gilson Dipp, j. 22/08/2012, DJe 29/08/2012; STJ, 2ª Seção, AgRg na Rcl 4916 / SP, rel. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 23/02/2011, DJe 04/03/2011), a limitação está consagrada no art. 1º da Resolução 12/09 do STJ. Mas na realidade não há qualquer previsão nesse sentido no dispositivo mencionado. Para que não haja dúvidas, transcrevo o seu teor:
“Art. 1º. As reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por turma recursal estadual e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, suas súmulas ou orientações decorrentes do julgamento de recursos especiais processados na forma do art. 543-C do Código de Processo Civil serão oferecidas no prazo de quinze dias, contados da ciência, pela parte, da decisão impugnada, independentemente de preparo”.

Como se pode notar, não há qualquer menção no dispositivo a respeito da natureza da divergência entre acórdão prolatado por turma recursal estadual e a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça. Não é possível, portanto, se extrair informação que claramente não se encontra na norma como se lá ela estivesse expressamente prevista. Trata-se, no mínimo, de ficção. Por isso prefiro decisões do mesmo tribunal nas quais fica claro que o art. 1º da Resolução 12/09 é omisso quanto ao tema, mas deve ser interpretado à luz do art. 14, caput, da Lei 10.259/01 (STJ, 1ª Seção, Rcl 4909 / MG, rel. Min. Castro Meira, j. 22/06/2011, DJe 30/06/2011).

Seja como for, como fruto de indevida ficção ou equivocada interpretação, o Superior Tribunal de Justiça perdeu uma excelente oportunidade de reconhecer que o direito processual deve ser considerado no mesmo patamar de relevância do direito processual. Caso tivesse aceitado a reclamação constitucional nas hipóteses ora analisadas inclusive quando violada lei processual federal, poderia se argumentar pelo seu cabimento também nos outros Juizados Especiais, considerando que o instrumento lá existente – uniformização de jurisprudência – seria limitado ao direito material.

Mas a limitação prevista em lei para a uniformização de jurisprudência foi estendida à reclamação constitucional nos Juizados Especiais Estaduais. E coerente com sua premissa, o Superior Tribunal de Justiça entende pelo não cabimento da reclamação constitucional contra violação de direito processual federal nos Juizados Especiais Federais (STJ, 1ª Seção, EDcl na Rcl 5932/SP, j. 23/05/2012, DJe 29/05/2012) e da Fazenda Pública (Informativo 509/STJ, 1ª Seção, Rcl 7.117-RS, Rel. originário Min. Cesar Asfor Rocha, Rel. para acórdão Min. Mauro Campbell Marques, julgada em 24/10/2012).

Ao concluir o despretensioso texto imagino que o espírito de Friedrich Carl von Savigny deve se encontrar numa felicidade extrema. Esteja no céu ou em qualquer outro lugar, é provável que esteja a zombar de Theodor Muther, Bernard Windscheid, Adolph Wach, dentre outros, dizendo: “Viu como eu tinha razão e o direito processual nunca terá a mesma relevância do direito material? Apêndice!”.

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Direito Integral
(Resposta editada pela última vez em: 14-02-2013 10:24 por Amilcar - Direito Integral.)
14-02-2013 09:44
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